BRASÍLIA – A grande maioria dos novos prefeitos eleitos nas eleições municipais vai herdar um caixa mais cheio no dia primeiro de janeiro de 2021. Durante a pandemia da covid-19, o repasse feito pelo governo federal para os municípios superou em R$ 24 bilhões o impacto da calamidade sobre as contas das prefeituras. O socorro compensou a perda de receitas e o que os prefeitos de fato gastaram no combate da doença.
Essa gordura vai aumentar até o fim do ano porque a arrecadação está reagindo e a suspensão do pagamento das dívidas concedida no pacote de socorro aos Estados e municípios continuará até dezembro.
Nos 29 municípios mais populosos, o caixa engordou R$ 16 bilhões de janeiro a agosto – um crescimento de 60% na comparação com mesmo período de 2019. Na cidade de São Paulo, o dinheiro disponível em caixa deu um salto de 50% no período, de R$ 13 bilhões para R$ 19,5 bilhões. Em São Luís, o crescimento foi de 398% e, em Recife, alcançou 204%. Na cidade de Uberlândia (MG), o dinheiro em caixa subiu 184% e em Ribeirão Preto (SP), 157%.
É o que aponta radiografia feita pelo pesquisador do Insper, Marcos Mendes, nas finanças de 2.229 municípios (com dados disponíveis) que representam 40% dos 5.570 municípios do País. O grupo representa 77% da população brasileira e inclui as maiores cidades em termos fiscais.
O saldo médio disponível no caixa de 1.960 prefeituras (que divulgam esse dado) subiu de 15% da receita corrente líquida para 21% em 2020. Apenas 13% dos municípios tiveram redução nos seus caixas como porcentual da receita.
Os dados coletados apontam melhora nos indicadores municipais de receita, despesa, rombos, saldo de caixa e dívida líquida. O único senão continua sendo despesa de pessoal, que permanece em nível elevado.
“Os novos prefeitos precisam administrar esse caixa de forma cuidadosa para não quebrar a prefeitura no primeiro ano de governo”, alerta Mendes, especialista em contas públicas. Para ele, o governo federal deve ainda ter cuidado com propostas de ampliação de socorro aos municípios em 2021. “Se do lado municipal acumularam-se gorduras ao longo de 2020, no nível federal houve um insustentável aumento do déficit e da dívida pública, que já ameaça a estabilidade macroeconômica”, avalia.
Em anos eleitorais, os municípios tendem a gastar mais. Prefeitos deixam para perto da eleição a realização de obras para impulsionar sua reeleição ou a eleição de um correligionário. Com a pandemia, no entanto, o ano de 2020 foi diferente.
Segundo Mendes, o bom desempenho das finanças municipais também é explicado pela rápida recuperação econômica e seu impacto na arrecadação municipal e do ICMS, imposto estadual, mas que tem um quarto de suas receitas transferidas aos municípios. A queda na transferência de Fundo de Participação dos Municípios (FPM) foi de R$ 3,9 bilhões e do ICMS de R$ 1,6 bilhão.
A perda total de receita – de R$ 5,5 bilhões – contrasta com a ajuda financeira do governo federal de R$ 43,1 bilhões. A ajuda desembolsada até agosto foi quase oito vezes maior que a efetiva perda de receita no mesmo período.
Além disso, houve diversas medidas de suspensão e postergação de pagamento de dívidas, que aliviaram o fluxo de caixa das prefeituras. Apenas 8% dos municípios tiveram queda nominal de receita na comparação de 2020 com 2019. Sem contar as despesas feitas com a pandemia, o fluxo de caixa das prefeituras foi positivo em R$ 45 bilhões até agosto.
“Há risco de alguns prefeitos assumirem e olharem o caixa cheio e entenderam de realizar suas promessas de campanha já de imediato”, diz Mendes. O pesquisador alerta que há fatores de incerteza muito grande para 2021 e não se sabe o que acontecerá com a arrecadação. Por isso, essa melhora pode ser transitória.
Aos novos prefeitos, Mendes recomenda que não se esqueçam dos compromissos com a Previdência, e que usem a sobra de caixa para enfrentar as incertezas da arrecadação de 2021. Ele lembra também que os salários dos professores vão aumentar com a reformulação do Fundeb, com impacto também nas aposentadorias que são atreladas aos salários dos servidores da ativa. Movimento semelhante também está ocorrendo no caixa dos Estados, diz o pesquisador.
Três perguntas para Marcos Mendes, pesquisador do Insper:
Os prefeitos não podem aproveitar o fim de ano para gastar mais?
Prefeitos reeleitos não terão incentivos para queimar o caixa, pois precisarão dele no ano que vem, e a taxa de reeleição foi alta. Além disso, estamos muito perto do final do ano. Não daria para os que não foram reeleitos fazerem estrago muito grande, a não ser em casos de municípios que têm muitos restos a pagar (despesas transferidas de um ano para o outro), que são mais fáceis de quitar, não precisando passar por toda a burocracia de empenhar, liquidar, etc (etapas para o pagamento de uma despesa pública). Mas acho que, nesse ponto, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ainda funciona, e prefeitos têm medo de serem acionados. Ainda que saibam que não vão ser presos, preferem deixar a situação mais arrumada.
Poderá haver uma “tentação” para gastar num cenário em que a retomada não está consolidada?
Exatamente. Mesmo que a economia retome e que as prefeituras voltem a ter um fluxo de receitas bastante razoável, é preciso pensar em dois fatores. O fator de longo prazo é o passivo previdenciário. Se ficar dando reajuste para o pessoal da ativa e descuidando da política de remuneração, acaba aumentando a despesa com inativos porque em muitos casos têm a vinculação do ativo com o inativo. A outra questão é que muitos municípios por conta do novo Fundeb vão enfrentar um custo elevado de pagamento de aposentados. Ele aumentou o volume de recursos direcionados para educação básica. Existe uma lei chamada piso remuneratório do magistério que os salários dos professores vão ser reajustados na mesma taxa de variação das verbas para a educação básica. Como o novo Fundeb aumentou muito as verbas para a educação, a previsão de aumento salarial dos professores para 2022 é de30%.
O socorro acabou ajudando também prefeitos que estavam com problemas para cumprir a exigência da LRF de deixar dinheiro em caixa no final do mandato para honrar os compromissos assumidos?
Sim, a pressão foi grande na época do auxílio. Um ponto que eu acho que é muito importante é que, uma vez que essa ajuda foi muito excessiva, e Estados e municípios estão muito capitalizados, não há o que se falar em novo socorro federal, como já está sendo conversado no Congresso, novas flexibilizações. Nesse momento, com governadores e prefeitos de caixa cheio e a União quebrada. É hora de respirar um pouco e Estados e municípios ajudarem nas reformas estruturais que vão efetivamente resolver a situação deles até porque são socorros de enxugar gelo. Com caixa cheio não sentirão estimulados a fazer as reformas.
Fonte: “Estadão”, 30/11/2020
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