Manchete do Estado na última sexta-feira: “Desemprego é o mais baixo em 8 anos, mas inflação corrói renda”.
Um economista bem ortodoxo, clássico mesmo, diria “E daí? Uma coisa não leva à outra..?”.
E do alto da sua sabedoria explicaria que menor desemprego significa mais emprego, que significa mais salários, que significa maior capacidade de consumo, que significa maior pressão sobre a demanda, sobre os preços e, finalmente, mais inflação.
E inflação, como ensinava um velho economista, também muito ortodoxo, não é exatamente elevação dos preços. A palavra inflação designa excesso de dinheiro, de moeda em circulação. Os preços elevam-se porque há excesso de dinheiro, pontificava o professor Hayek, Prêmio Nobel de Economia de 1974, homem de notório saber nesse assunto, como exigem as leis para preenchimento de certos cargos públicos. Entre parênteses, o curioso nessa história é que Friedrich Hayek dividiu o “Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel” (denominação correta da láurea) com um opositor das suas ideias: Gunnar Myrdal, economista sueco, de tendência socialista, estudioso dos processos de desenvolvimento.
Mas, voltando ao principal, o fato é que a conjuntura econômica brasileira atual parece um retrato das teorias mais ortodoxas: excesso de dinheiro ou liquidez, gerada por cornucópias que o ex-presidente Lula abriu sem constrangimento e de maneira poucas vezes antes vista na história deste país – reajustes generosos do salário mínimo e dos salários do funcionalismo, expansão do Bolsa-Família, crédito farto para casa própria e outros fins, redução paulatina das taxas de juros.
Não há dúvida que isso confirmou parte do que dizia a música de Caetano Veloso: “A força da grana que ergue coisas belas…” A imprensa e as estatísticas brasileiras estão mostrando muito das coisas belas erguidas pela força da grana do governo, em termos de melhoria de vida do povo, de ascensão das classes mais pobres a níveis mais elevados de renda, de elevação do padrão de consumo e dos meios de sobrevivência, de tudo aquilo, enfim, que nos últimos três ou quatro anos colocou a figura de Lula no altar da adoração popular e… elegeu Dilma!
Mas a letra de Sampa ainda falava que a força da grana também destrói coisas belas.
Então, a ameaça que paira sobre o governo Dilma neste começo é o que muitos economistas previram e advertiram, e sobre o que a própria presidente deve ter meditado: a possibilidade não tão remota de destruição das coisas belas pela inflação – a coisa mais feia que o povo pobre deve temer no terreno da economia.
Os sinais são inequívocos: o desemprego chegou ao seu nível mais baixo desde 2003: 5,3% em dezembro passado. A renda real média do trabalhador subiu 3,8% em 2010. Coisas belas. A inflação também subiu: 5,91% em 2010, contra 4,31% em 2009. Coisa feia. A fórmula está se completando: mais emprego, mais renda, mais inflação.
E a inflação, no corpo econômico, é mais ou menos como a febre no corpo humano. E como a febre, também não é uma doença em si, é um sinal de que algo está errado no organismo. A febre surge para dizer ao seu portador que tome cuidado e, ao mesmo tempo, para ajudar o organismo a procurar um reequilíbrio. A inflação também surge, ou aumenta, para mostrar que a administração da economia não está no rumo certo e para corrigir os fatores que a tenham provocado. Por exemplo: se há excesso de dinheiro e ganhos de renda sem melhoria da produtividade, o aumento dos preços diminui o ganho de renda e consome o excesso de dinheiro. É um fator de correção, portanto. Só que, se deixada por sua própria conta, a inflação se autoalimenta, ganha impulso automático e deságua na hiperinflação, como já aconteceu no Brasil.
O Banco Central (BC) sabe disso, tanto que já vem adotando medidas para corrigir o curso dos acontecimentos antes que a inflação ganhe vida própria. Aumentou a taxa básica de juros, a Selic, aumentou os depósitos compulsórios dos bancos restringindo a disponibilidade de crédito, exigiu mais capital das instituições para financiamentos que ultrapassem 24 meses, enfim, está procurando andar na frente da inflação, corrigindo os fatores que a provocaram antes que ela mesma o faça de maneira desastrosa e socialmente cruel.
Mas não é fácil. Até porque o BC está meio sozinho nessa tarefa. O resto do governo não parece muito preocupado com o recrudescimento do IPCA e de outros indicadores de inflação. E os seus supostos aliados não dão muito apoio para que ele se decida a corrigir as demasias do período Lula.
Haja vista as reuniões que a equipe de Dilma vem mantendo com as lideranças sindicais sobre a questão do reajuste do salário mínimo. O pleito dos sindicalistas – de um salário mínimo de R$ 580 – é visivelmente desastroso para a estratégia de controle da inflação posta em prática desde dezembro pelo BC e, também, para as contas públicas dos três níveis de governo, particularmente para a Previdência. Mas eles insistem, porque acham que Dilma não pode tirar um naco daquilo que Lula deu. Mas isso é só ela que tem de resolver…
Fonte: O Estado de S. Paulo, 31/01/2011
Sabias colocações. Mais dinheiro em circulação, mais inflação! Quanto mais inflação, mais dinheiro “papel pintado” o governo pode emitir para tapar os rombos orçamentários.E dinheiro emitido é um imposto indireto que todos nós pagamos em favor do governo. Entao, em princípio, este cenário interessa ao governo e, em tese, poderia ter sido fabricado por ele de forma premeditada ou por ignorância. Tudo seria bom, se o rombo orçamentário nao comprometesse as emissoes e se o dinheiro fosse utilizado para incentivar a economia e melhorar a condição social do povo. Me parece que nao foi isso que aconteceu.
Especulo que uma boa parte do dinheiro emitido foi para converter a dívida externa, que nos custava 4% de juros ao ano para credores estrangeiros, para que se pudesse pagar astronômicos 15,18% ao ano para os bancos nacionais, Ou seja, o pior negócio que alguem poderia fazer, substituir juros baixos por juros altos, que exigem emissão continuada para tapar um rombo cada vez maior. O ranço de esquerda contra a dívida externa nos causa rombo orçamentário e prejuizos continuados por muitos anos! E isto é divulgado como uma “façanha” do governo dos ultimos anos, quando na verdade deveria ser considerado como um grandissimo erro estratégico, político e social.