Na história da filosofia ocidental, a obtenção do conhecimento costuma ser vinculada a alguma conquista espiritual ou material. Na bios theoretikos da cultura filosófica grega ou na vita contemplativa dos latinos o conhecimento oferece a recompensa do entendimento do ser das coisas. Não há a preocupação ou interesse em modificar os fenômenos, e sim em desvendar porquês. As postulações de conhecimento sempre se fazem acompanhar de grandes promessas. A primeira e mais importante promessa do conhecimento racional é a de pôr fim a ilusões, a de corrigir os modos comuns de ver as coisas. A filosofia nasce com a proposta de substituir o registro imediato dos sentidos pelo conceito rigorosamente construído.
O conhecimento sempre se apresentou como contrariando o senso comum. Dizendo-se fruto da razão, o conhecimento sempre acalentou a pretensão de corrigir o senso comum ou até de se erigir em bases totalmente diferentes das do senso comum. O conhecimento filosófico se formou tentando mostrar que as aparências enganam, que os sentidos não são confiáveis, que a forma mítica de dar sentido à realidade não passa de uma pseudo explicação. Por mais que no Iluminismo moderno mais tenha sido forte a confiança na força libertadora do conhecimento, a filosofia desde seus primórdios ambiciona livrar o homem das ilusões e das superstições, das crenças infundadas, das atitudes e teorias irracionais.
Tendo o filósofo inglês Francis Bacon como pregoeiro, a era moderna passa a privilegiar a busca de um tipo de saber que gera uma forma de poder capaz de proporcionar ao homem crescente controle sobre a natureza. O poder intelectual deixa de se exercer apenas sobre as consciências, pela formação de mundividências e de ideologias político-sociais, para se estender ao domínio dos fenômenos naturais. Quando passa a ser encarada como habitada por forças cegas, a natureza começa a exigir um conhecimento capaz não só de explicar e predizer seus fenômenos, mas também de controlá-los. A ciência moderna acaba com a necessidade de invocar forças ocultas e propósitos divinos para tentar entender o que ocorre na ambiência natural. O mundo se torna, como sublinha Max Weber, desprovido de forças supranaturais. Vira um quebra-cabeça a ser decifrado apenas com os recursos da razão e da observação.
À teoria deixa de incumbir apenas a tarefa de explicar os fenômenos. Cabe-lhe também domar as forças cegas da natureza. O conhecimento de domínio é o que controla aquilo que explica. E o controle deve ser colocado a serviço dos interesses e finalidades humanos. Estatui-se assim que é vão o esforço transformista que não está escorado em efetivo conhecimento. Com base em sua tese de que o homem pode tanto quanto sabe, os limites do poder que se pode exercer sobre o mundo são definidos pelo grau de conhecimento que sobre ele se consegue alcançar. Não há como deter poder sobre o que se desconhece. Pode-se até acalentar o desejo de que a natureza tenha tal ou qual curso de manifestação alterado, mas será debalde se não se for capaz de identificar as causas que desencadeiam o que se gostaria de alterar. Daí a retórica baconiana apregoar que só se pode efetivamente domar a natureza obedecendo-a. De nada adianta ambicionar mudar o que se desconhece. Pode-se até proclamar como se desejaria que as coisas fossem, mas não se conseguiria fazer com que isso aconteça.
Alberto de Oliva, autor de “Teoria do Conhecimento” (Zahar, 2011)
No Comment! Be the first one.