Quem estuda a História do Brasil percebe claramente a existência de ciclos, que se alternam nas fases de prosperidade e de problemas. Sem retroagir a épocas mais antigas, já que não há espaço aqui para analisar, podemos dividir o desenvolvimento no período do pós-guerra, ou seja, praticamente os últimos 70 anos de nossa vida como nação, nas seguintes etapas, com alguma arbitrariedade tanto na periodização, como na escolha do “título” associado a cada fase:
— 1946/55. “Imediato pós-guerra”. São os anos nos quais o país procura a sua inserção depois da Segunda Guerra Mundial e que foram caracterizados por bons níveis de crescimento, inflação crescente e muita turbulência política, tendo como marco o suicídio de Getúlio.
— 1956/60. “Euforia de JK”. É o período em que o Brasil se descobre “vocacionado para o crescimento”, quando de certa forma se cria o que se poderia denominar de “mística do desenvolvimento”, com grande dose de otimismo quanto ao futuro, mas um grande acúmulo de problemas fiscais, monetários e de Balanço de Pagamentos.
—1961/63. “Anos de crise”. É um período em que nada dá certo para o país, com sucessivas crises políticas, alta instabilidade, inflação explosiva etc.
— 1964/67. “Ajustamento do Paeg”. É quando o regime militar lança o Plano de Ação Econômica do Governo e promove reformas que acabaram gerando um forte crescimento posterior.
— 1968/73. “Milagre”. É o período de boom do governo militar, com fortíssimo crescimento da economia.
— 1974/80. “Anos do II PND”. Período do II Plano Nacional de Desenvolvimento — que, a rigor, vai até 1979, mas cuja periodização aqui esticamos mais um ano — com substituição de importações e grande acúmulo de dívida externa.
— 1981/1994. “Anos de crise” (novamente). É um período muito conturbado, que abrange a “década perdida” dos 80, uma hiperinflação reprimida, cinco planos fracassados de estabilização e o esgotamento do modelo de desenvolvimento posterior à crise de 1930.
— 1995/2003. “Estabilização com baixo crescimento.” São os primeiros anos da estabilização, com esforço de ajuste fiscal, forte controle monetário e reformas estruturais, mas no contexto de várias crises mundiais e baixo crescimento econômico.
Depois de 2003, inicia-se no Brasil um novo ciclo, caracterizado pela combinação de quatro circunstâncias excepcionais, nem todas presentes desde o começo, mas que foram se acentuando na segunda metade da década passada: a) elevados preços das commodities; b) taxa de juros internacionais excepcionalmente baixas; c) existência de um grande contingente inicial de trabalhadores desempregados; e d) apreciação cambial. Diante disso, foi possível ao país crescer, mas sem pressionar muito as suas contas externas — uma vez que o maior crescimento das importações era mitigado pela evolução dos termos de troca — ao mesmo tempo que havia financiamento externo abundante e barato, ampla disponibilidade de trabalhadores para crescer mesmo sendo nossa produtividade baixa e tudo isso sem alimentar a inflação, pela ajuda de um câmbio favorável.
Nesse contexto, o Brasil viveu alguns “anos dourados”, exceção feita ao curto intervalo da crise do fim de 2008, com efeitos no resultado anual de 2009 e rapidamente revertidos. O governo Dilma Rousseff correspondeu ao fim desse ciclo, uma vez que as circunstâncias foram sendo modificadas, a saber: a) o preço das commodities, tudo indica, bateu no teto; b) a elevação dos juros internacionais nesta década já começou a entrar no radar; c) o desemprego caiu até o piso; e d) a queda da cotação R$/US$ pertence claramente ao passado.
Diante disso, o software adotado para fazer a economia crescer depois de 2003 — baseado em injeções de demanda — e passando por cima de diferenças importantes entre a condução da economia antes e depois de 2005 com a troca de guarda no Ministério da Fazenda, claramente não serve mais. A “etapa fácil” do crescimento se esgotou. O Brasil vive um fim de ciclo, similar de certa forma ao do fim dos anos 70, no sentido de que o que serviu durante anos não serve mais. Chegou o momento do investimento em infraestrutura, da educação de qualidade e dos aumentos de produtividade. Sem isso, no mundo de hoje, o país estará fora do jogo. O desafio é enorme.
Fonte: O Globo, 11/08/2014
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