Os diferentes diagnósticos sobre a causa da crise econômica e como destravar o crescimento no Brasil devem deixar os leigos atordoados. Equivale a uma situação em que uma mancha de pele é diagnosticada por um médico como simples mancha de sol, e por outro como um câncer.
Um dos formuladores do programa de governo do PT, Marcio Pochmann, afirma que a crise decorreu, principalmente, do corte de gastos públicos feito pelo ex-ministro Joaquim Levy no segundo mandato de Dilma Rousseff. Nessa linha, nega o problema do rombo crescente da Previdência e afirma que o problema fiscal se resolve com a volta do crescimento, este a ser estimulado por taxas de juros baixas. Quem pensa diferente dele seriam “economistas cabeça de planilha”.
Apesar dos alertas, esse tipo de recomendação de política econômica, que dominou historicamente o pensamento econômico no Brasil, foi implementado com contundência por Dilma. Houve significativa expansão fiscal e do crédito dos bancos públicos, e pressão para redução dos juros pelo Banco Central e pelos bancos comerciais. O resultado foi uma escalada da inflação e a grave crise econômica.
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A política econômica de Levy contribuiu para a crise, mas por outra razão. Com a exceção de algumas poucas medidas estruturais, o ajuste fiscal foi superficial e frágil, via controle de gastos na “boca do caixa”. Com o “tratamento” incompleto pela ausência de reformas, que eram esperadas em início de mandato, a confiança dos credores se esvaiu, o que culminou na perda do grau de investimento, agravando a crise.
Não foi possível colher os frutos de um ajuste mais profundo, que seriam, dentre outros, a taxa de juros mais baixa. Pelo contrário. Possivelmente, o País caminhava para a chamada “dominância fiscal”, como apontado na época por economistas como Tiago Berriel e Affonso Celso Pastore, que é quando a crise fiscal gera inflação descontrolada. Os sinais preocupavam: a inflação esperada embutida nos títulos públicos indexados à inflação caminhava para 10%; o mercado futuro de dólar chegou a projetar o dólar em R$ 6 para 2018; e o estoque de dívida pública de curto prazo (compromissadas) crescia rapidamente pela busca de liquidez. Sem agenda de ajuste fiscal, não se sabia para onde ia a cotação do dólar, a inflação e a taxa de juros. E a atividade econômica padeceu.
Desde 2011, a economia desacelerava, mas o efeito pleno da agenda equivocada sobre a economia só ficou evidente mais tarde, em 2016. Isso porque a política econômica tem, naturalmente, efeitos defasados, demorando alguns trimestres para ter impacto na economia. Essa defasagem acaba produzindo erros de análise, gerando condescendência de alguns com a agenda de Dilma e crítica exagerada à política econômica atual.
A reforma da Previdência não foi aprovada, mas a agenda fiscal é clara. A cada ano, as despesas com previdência aumentam entre R$ 50-70 bilhões no Orçamento federal. Sem a reforma, a cifra vai aumentar ainda mais nos próximos anos, porque até 2030 a população idosa será o dobro da de 2015.
Não são altas as chances de a agenda de Pochmann ser implementada, mesmo em caso de vitória do PT nas urnas. Se o PT apoiar Ciro Gomes, boa parte não será seguida, pois o pré-candidato se comprometeu com a reforma da Previdência e defende que o equilíbrio fiscal é a pedra fundamental para o crescimento. No caso de candidatura própria, também não está clara a implementação. Lula, em seu primeiro mandato, não seguiu os conselhos de Pochmann, e escalou um time econômico que entendia de números e de restrição orçamentária para conduzir a política econômica e fazer reformas, como a da Previdência do setor público. Na sequência, adotou diversas medidas para combater o custo Brasil e, assim, expandir a oferta, sem se iludir com a fórmula mágica de redução artificial dos juros.
A economia trata de números, evidências empíricas e relações de causalidade. Quando não são disponíveis, convém cautela extra na condução da política econômica. Não há lugar para ilusionismo.
Fonte: “Estadão”, 03/05/2018