DItadores não caem por gravidade. Não será diferente com Nicolás Maduro. O tempo e a dor provocada pela agonia dele dependerão da correlação de forças na Venezuela. Três fatores serão essenciais para estabelecê-la:
1) A disposição do próprio Maduro em resistir. Se renunciar diante dos protestos gigantescos por todo o país e do repúdio internacional em massa a seu governo, a agonia será curta. Um jato que decolou de Moscou pousou ontem em Caracas, trazendo especulações sobre a negociação da renúncia. Não há mais informações a respeito.
2) A extensão do apoio a Maduro nas Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB). As lideranças, em especial o ministro da Defesa Vladimir Padrino, empenharam lealdade à permanência de Maduro na Presidência para um novo mandato, apesar de mais de 50 países (entre eles Estados Unidos, Canadá, Brasil e outros 12 latino-americanos, Alemanha França e nações europeias) terem reconhecido o líder da Assembleia Nacional (AN), Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela. A AN acenou com anistia a militares que se rebelarem e apoiarem Guaidó na transição até novas eleições. Não há consenso interno nas FANB. Cresce a oposição a Maduro. Uma primeira revolta de patentes inferiores foi sufocada no fim de semana. É uma incógnita até que ponto o apelo da AN terá efeito contra o poder que as altas patentes ainda exercem.
3) A ação internacional para derrubar Maduro, caso ele insista em ficar no poder. Na atual situação de confronto e protestos, é improvável que haja uma intervenção militar externa para depô-lo. Se o quadro evoluir para uma guerra civil, contudo, esse é um cenário que não está descartado. Maduro rompeu relações com os Estados Unidos e deu 72 horas para diplomatas americanos deixarem o país. Guaidó pediu que ficassem e resistissem. O vice-presidente americano, Mike Pence, declarou estar com os “irmãos venezuelanos” até que a “democracia seja restaurada e possam recuperar a liberdade a que têm direito”. A proteção à embaixada seria um pretexto para o envio de tropas. (O presidente brasileiro em exercício, general Hamilton Mourão, declarou que o Brasil não considera intervir militarmente no país vizinho.) Fora o envio de tropas, os americanos podem estender as sanções econômicas contra o regime e interromper a compra de petróleo da Venezuela. Bastaria isso para sufocar Maduro e seu entorno de cleptocratas. Em contrapartida, a medida ampliaria ainda mais a miséria, a fome, as doenças e as dores que afligem o país.
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Com o final do primeiro mandato, no início do mês, Maduro assumiu a Presidência para um segundo, até 2025, com base no resultado de eleições de maio de 2018, contestadas em virtude de fraudes disseminadas, da violência para obrigar a população a votar, do boicote da maior parte da oposição e da participação de apenas 46% do eleitorado, segundo os próprios números oficiais.
Nessa situação, a Constituição venezuelana confere ao presidente da AN o dever de assumir a presidência interinamente e convocar novas eleições. Foi que fez Guaidó, um jovem de 35 anos da província de Vargas, recém-eleito para comandar a AN.
Guaidó tinha apenas 15 anos quando Hugo Chávez assumiu o poder e, apesar de pertencer ao partido do principal opositor, Leopoldo López (preso por Maduro), não teve papel nos conflitos que dividem a oposição venezuelana há anos e a tem impedido de enfrentar o chavismo como uma frente unida.
O reconhecimento internacional lhe dá força para promover uma transição negociada de volta ao regime democrático. Mesmo assim, precisará de astúcia para lidar com a derrocada inevitável do chavismo, que devastou a Venezuela nas últimas duas décadas.
Desde que Maduro assumiu o poder, com a morte de Chávez em 2013, estima-se que o PIB tenha caído pela metade (não há dados oficiais). O caos e o horror tomaram conta do país, com hiperinflação, criação de grupos de extermînio para alvejar opositores, alta em assassinatos, roubos, fome, miséria, mortalidade infantil e materna, mortes por Aids, tuberculose e até infecções triviais, em hospitais sem acesso a gaze nem antibióticos.
A produção de petróleo caiu de 2,4 milhões de barris diários em 2016 para 1,1 milhão em 2018 (20 anos atrás, eram 3,3 milhões). Em 2017, com o barril cotado a US$ 47, entraram US$ 5,2 bilhões na Venezuela. Em 2018, com a cotação a US$ 61, apenas US$ 4,1 bilhões.
Maduro é investigado pelo Departamento de Justiça americano num caso de lavagem de dinheiro que já levou à prisão de dois envolvidos. De acordo com as autoridades, o esquema desviou, apenas entre 2014 e 2015, US$ 1,2 bilhão da PDVSA, a estatal venezuelana do petróleo.
A investigação desmascarou transferências ilícitas de € 511 milhões de euros via Malta, dos quais € 160 milhões se destinavam a três enteados de Maduro. O governo americano congelou propriedades avaliadas em US$ 800 milhões ligadas a integrantes do governo venezuelano, incluindo cavalos, um apartamento em Manhattan e imóveis na Flórida.
Depois da apreensão de 46 barras de ouro venezuelano em Aruba, uma investigação da RunRunEs, com apoio da ONG Connectas, desmascarou uma rota de desvio do metal pelas ilhas do Caribe.
Tais casos mostram que há muito tempo a permanência de Maduro no poder é injustificável. Agora, também é insustentável. O cenário que provocaria menos dor é a renúncia, um salto por vontade própria. Quanto mais resistir, maior a chance de ser empurrado à força.