Professor de Direito e de Filosofia Jurídica da Universidade Mackenzie, João Antônio Wiegerinck falou ao Instituto Millenium sobre Estado de Direito e Justiça no polêmico caso de ocupação de Pinheirinhos, em São José dos Campos (SP), e na votação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a manutenção do poder de investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“O Estado precisa deixar de ser populista e de utilizar o direito à dignidade como discurso e resolver a questão da habitação através de comissões de Estado, de Secretarias e Ministérios atuantes, que comecem a intervir no sentido preventivo”, disse.
Para Wiegerinck, que critica a morosidade, a ineficiência do Estado, o populismo e a administração pública no caso Pinheirinhos, o Brasil precisa aprender a respeitar o direito à propriedade: “Existe a necessidade de proteger mais de um direito e de não deixar nenhum sem tutela”.
O professor de Direito e Filosofia, vê com otimismo a votação favorável ao Conselho Nacional de Justiça, mas alerta para as consequentes tentativas de enfraquecimento, via burocratização das denúncias. Wiegerinck acredita que graças a Internet e às redes sociais, a opinião pública e a imprensa tiveram um papel crucial no resultado da votação.
Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Pela ótica do Estado de Direito, como é preciso entender o caso Pinheirinhos?
João Antonio Wiegerinck: Cientificamente falando, o Estado de Direito existe a partir do momento em que existe uma Constituição em vigor. A Justiça tem que aplicar e os cidadãos devem obedecer o que nela está contido. No caso Pinheirinhos, temos alguns direitos que devem ser protegidos: o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à propriedade, que são os que estão claramente em conflito.
Diante do Estado de Direto, ambos (os direitos) precisam ser pesados na hora da aplicação. Existe a necessidade de proteger mais de um direito e de não deixar nenhum sem tutela. Por exemplo, o Estado tem que fornecer habitação para as pessoas que precisam, mas para fazer isso também tem que pagar o proprietário do terreno para desapropriar.
O Estado não pode ignorar a propriedade de alguém ou estaria deixando de tutelar um direito diante da Constituição. Tecnicamente falando, isso se chama “Conflito Positivo de Normas Constitucionais”.
Imil: Em um caso como de Pinheirinhos, como os governos podem intervir efetivamente na questão da habitação sem, no entanto, prejudicar o direito à propriedade? A ação deveria ser preventiva, mas o que fazer quando ela já não aconteceu?
JAW: Embora algumas invasões sejam imprevisíveis, o Estado tem que agir de forma preventiva sempre, tem a obrigação de procurar agir assim. Se não conseguir, ao invés de destinar verbas para a construção de casas populares – para onde, na verdade, muitas vezes a população nem vai – o Estado deve destinar parte dos tributos para fazer a compra de determinadas áreas onde, por sua omissão mesmo, a população já se instalou.
Portanto, há apenas duas maneiras de agir: preventivamente, construindo moradias em áreas do Estado, ou destinar uma verba para os casos que não dão certo, uma verba para desapropriação. Quando não há uma verba previamente destinada para o fim, a aprovação dela vai passar pela Lei Orçamentária, precisando ser aprovada no próximo ano, e pode ir ficando sempre para o próximo ano. E é por isso que as pessoas começam a construir em terrenos invadidos. A melhor atitude que o Estado deve tomar quando a prevenção não dá certo é acionar a verba emergencial para comprar o terreno.
Imil: O que mais dificulta a manutenção das regras nesses impasses de habitação? A lentidão da Justiça na reintegração de posse, ampliando a possibilidade de instalação ilegal, a falta de fiscalização ou ainda a falta de eficiência do Estado para agir preventivamente na área?
JAW: Existem alguns elementos que explicam a situação de Pinheirinhos: a completa falta de prevenção por parte do Estado – não existe uma pesquisa eficiente para evitar esse tipo de ocupação e, quando existe, o governo não tem verba aprovada para isso.
Mas falta com a verdade o indivíduo que diz que não tem existe fiscalização no país. O que existe é uma fiscalização corrompida. O fiscal não notifica, aceita o suborno, prescreve o processo administrativo e com isso, o processo judicial entra na mesma calha. E o processo judicial ainda tem o problema da morosidade. Então, há o problema da corrupção no processo de administração direta, do poder executivo e a morosidade do judiciário.
Imil: No Brasil, o senso comum reage sensivelmente às perdas diretas das famílias, ao direito da dignidade humana, mas com mais dificuldade vê que o direito à propriedade é indispensável para a manutenção da sociedade civil e faz parte do processo de manutenção e segurança da dignidade humana. Como reverter isso?
JAW: O direito à dignidade não faz distinção de pobres ou ricos. O que eu percebo é que a bandeira da dignidade humana é discurso político e muitas vezes defendida apenas para os pobres: apenas para quem não tem moradia… Mas a dignidade humana é para todo e qualquer ser humano. Assim como o direito à propriedade. Do mesmo modo que a educação, a saúde, são direitos de primeira necessidade, a propriedade também é, dentro do sistema econômico que nós vivemos.
Imil: O que é necessário para esta apropriação cair no entendimento do brasileiro?
JAW: O Estado precisa deixar de ser populista e de utilizar o direito à dignidade como discurso e resolver a questão da habitação através de comissões de Estado, de secretarias de Ministérios atuantes, que comecem a intervir no sentido preventivo. O primeiro passo é começar a negociar com proprietários de terras de forma clara, transparente e rápida.O Estado precisa parar com a conversa meramente política e investir em administração pública.
A gente pode utilizar como exemplo os mediadores e conciliadores da Justiça, que conseguem acelerar muito determinados processos. Por que não existir uma comissão que negocie mais rapidamente com o Estado e com proprietários de terras invadidas para que essas áreas possam ser desapropriadas rápida e legalmente?
O governo possui uma fala muito ressentida pelo sofrimento humano, mas na prática não faz absolutamente nada, deixa acontecer.
Imil: Ainda sobre Justiça, qual a importância, da votação a favor do Conselho Nacional de Justiça no Supremo Tribunal Federal para a manutenção das regras e segurança do Estado de Direito ?
JAW: A vitória foi fundamental. Há 150 anos, o Brasil busca um controle externo do judiciário. Finalmente, a Emenda Constitucional 45 ( de dezembro de 2004) trouxe o CNJ e essa possibilidade de controle externo. Os votos favoráveis (dos magistrados) ao CNJ são de quem diz: “Eu não temo.”
Se tivéssemos uma decisão contrária hoje,o CNJ viraria um anexo do Poder Judiciário, uma secretaria com fins burocráticos.
Se atentarmos para o resultados deste governo: os muitos Ministérios criados, sete ministros derrubados… há uma inversão de valores. O resultados dos ministérios são péssimos, e no entanto, os ministros não são punidos, apenas substituídos. Mas o CNJ, que obtém ótimos resultados, controlando, apontando, desafiando os poderes, é punido? Quem produz é punido? Corre o risco de ter as atribuições cassadas? Pela teoria geral da administração pública, caminhamos no sentido inverso…
Diante do resultado da votação e da manutenção do controle do CNJ, o povo brasileiro tem motivo para estar feliz, mas os cinco votos vencidos devem tentar que se estabeleça o “critério de análise da denúncia” junto ao conselho antes da indicação, quer dizer, vão tentar burocratizar o processo como é feito com as CPIS.
As CPIS são derrubadas desse jeito desde que o PT entrou para a presidência. Elas parecem que vão ser instauradas, mas quando a hora de passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça ou na mesa do Senado barram a formação da CPI.
Os magistrados que votaram contra o CNJ estão seguindo o mesmo modelo de burocratização e enfraquecimento criando um modelo de análise prévia da denúncia antes de criar uma investigação de plano.
Imil: O que pode resguardar o CNJ? Quais serão as cenas dos próximos capítulos?
JAW: Só a transparência pode resguardar o poder do CNJ, mas é importante que a opinião pública e a imprensa, que tiveram um papel crucial para que o resultado dessa votação fosse atingido, acompanhem, cobrem.
Imil: A mobilização da opinião pública e a polêmica criada entre o STF e a CNJ colaboraram para a votação? Como fato “ensina” ao Brasil a importância do debate?
JAW: Claro, a movimentação social fez toda a diferença. Porque é uma revolução mesmo. Nós aprendemos isso. Eu acredito que institutos, ONGs, órgãos sérios, que se movimentam dentro das redes sociais, na Internet e a conexão da imprensa com tudo isso têm sido fundamental. A gente tem aprendido isso com o Iraque, com a China, onde a população luta contra a liberdade de expressão. A gente viu que o presidente dos EUA se elegeu por conta de um movimento virtual… que não quer dizer irreal. É um meio, existem pessoas ali.
E O STF realmente é o último bastião que nós temos. O STF é guardião da Constituição. Se eles não tiverem uma postura transparente, que mensagem eles vão passar para os tribunais? Eles tem de servir de exemplo para outros poderes, não só para o Judiciário.
E esse é o questionamento que eu tenho ouvido “Como assim? O juiz corrupto não pode ser investigado?” Seria o cúmulo da indecência.
E mais, este é o exemplo que a imprensa também tem que dar. Quando a imprensa faz o seu trabalho com vocação, olha só que o acontece.
Aquilo que estamos visualizando nos ultimos tempos deve ser obra do Espirito Santo, pois em todo território Nacional nunca tinhamos visto tantas obras em prol dos mais necessitados, motivo pelo qual não posso concordar quando o ilustre João Antonio Wiegerinck escreve que o governo nos ultimos anos esta inertil aos anseios da grande maioria da população,até aceito que esta longe daquilo que deve ser, mas estamos dando passos como nunca visto antes em nosso gigante Brasil.