Nas últimas semanas têm ganhado destaque no debate sobre a reforma tributária propostas de substituição de diversos tributos por um imposto sobre transações financeiras (ITF). As propostas variam em termos de escopo, sendo a mais abrangente a apresentada pelo Instituto Brasil 200, pela qual vários tributos – com receita equivalente a 27% do PIB – seriam substituídos por um Imposto Único sobre transações financeiras, com alíquota (claramente subestimada) de 5,6% (2,8% em cada ponta da transação).
Não existe imposto perfeito. Mas o ITF certamente é dos piores, especialmente se o objetivo é arrecadar montantes elevados de receita. A razão é que as distorções provocadas por esse tipo de imposto crescem de forma exponencial com a alíquota, tornando-o ineficiente e inseguro.
A história mostra que em vários países que adotaram o ITF a receita do imposto foi caindo ao longo do tempo, devido à desintermediação financeira. É verdade que isso não ocorreu com a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) no Brasil, onde a receita se manteve em pouco mais de 1,3% do PIB para uma alíquota de 0,38%. Mas a razão para essa estabilidade da receita da CPMF foi a alíquota relativamente baixa, em um contexto de juros extremamente altos.
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Com alíquotas elevadas e juros baixos, a economia certamente se organizará de forma a pagar menos ITF, seja através da eliminação de transações redundantes (como o pai que transfere recursos para o filho universitário pagar suas despesas e que passará a pagar diretamente as despesas do filho), seja através de um processo de desintermediação financeira.
A consequência será uma trajetória de perda de arrecadação, que agravará a já delicada situação fiscal do País. Eventual compensação através da elevação da alíquota do ITF apenas elevaria a desintermediação, criando um círculo vicioso de alíquotas crescentes e receita decrescente.
Também é necessário considerar os impactos econômicos negativos do ITF, que são especialmente relevantes se o imposto tiver alíquota elevada. Alguns são mais conhecidos, como a incidência cumulativa que eleva o custo dos investimentos e prejudica a competitividade da produção nacional, além de estimular as empresas a internalizar a produção que pode ser feita de forma mais eficiente por terceiros.
Outros impactos são menos claros – e possivelmente mais nocivos – como a perda de liquidez de mercados que operam com baixas margens (como a compra e venda de imóveis) e o efeito do ITF sobre a estrutura de capital das empresas. A título de exemplo, se uma empresa necessitar de capital de giro por um dia e pagar 0,05% de juros, o custo do ITF com alíquota de 5,6% será mais de 100 vezes superior aos juros. Todas essas distorções econômicas reduzem a produtividade e o crescimento de longo prazo do País.
Por fim, é importante entender sobre quem incide o ITF. Não é sobre a economia informal e ilegal (que opera dominantemente fora do sistema financeiro), mas sim sobre as operações não econômicas dos agentes da economia formal – como a compra e venda de carros ou imóveis usados e a transferência de recursos para familiares. Tal incidência reduz o poder de compra desses agentes, no mesmo montante (mas de forma menos eficiente e transparente) do que faria um bom imposto sobre o consumo.
+ Hélio Gurovitz: O delírio do imposto único
Não existe uma fórmula mágica de cobrar tributos. Se o governo arrecada 27% do PIB, está retirando 27% do PIB do poder de compra da sociedade. A diferença é que, se a arrecadação for feita através de tributos neutros e distribuindo a arrecadação entre diversas bases (consumo, renda e propriedade), a receita tenderá a ser estável e os impactos negativos sobre o crescimento, limitados. Se a arrecadação for feita através de um único ITF com alíquota elevada, a receita tenderá a ser muito volátil e os impactos negativos sobre a economia serão enormes.
A tributação brasileira – especialmente a tributação do consumo – é, de fato, muito ineficiente. Um imposto único sobre transações financeiras não é a solução.
Fonte: “Estadão”