A equipe econômica do governo já anunciou a intenção de “desestatizar” o mercado de crédito brasileiro, mas você sabe o que isso significa na prática? Fazendo jus à fama de intervencionista, o Brasil possui uma economia financeira e bancária com forte participação de bancos estatais, permitindo ao Estado exercer influência nas taxas de juros praticadas e no custo do capital, com consequências sobre a produção, geração de investimentos, na capitalização de pessoas físicas e jurídicas, bem como na formação de perspectivas sobre a economia do país.
“Desestatizar o sistema de crédito ou mercado de capitais, para começar, significaria ter um índice de participação bem menor dos bancos públicos na economia financeira e bancária brasileira. De fato, o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e alguns poucos bancos estaduais que sobraram chegam a dominar praticamente 52% do mercado bancário do Brasil, seja de captações, seja de aplicações”, explica o economista e professor da FGV Istvan Karoly Kasznar. Em entrevista exclusiva ao Instituto Millenium, o especialista nos mostra como a atuação do Governo na área pode causar distorções nocivas à economia do país. Assista à primeira parte da entrevista!
Primeiro, é preciso diferenciar duas modalidades de crédito: o livre e o direcionado. Segundo Istvan, no crédito livre, há uma concorrência natural e usual entre os bancos e demais instituições financeiras. “Neste caso, uma taxa de juros emerge em função da capacidade que cada banco tem de emprestar, assim como também dos regulamentos do Banco Central vinculados a recolhimentos compulsórios e a certos movimentos que irão dirigir ou não o capital para determinadas áreas. Justamente é aí que ingressa o crédito dirigido. Se trata, na verdade, de um financiamento que tem uma direção própria e é definido claramente por um tempo normalmente mais longo”. O financiamento a máquinas e equipamentos, o Finame, do BNDES; e o financiamento à casa própria, da Caixa Econômica Federal, são exemplos de crédito direcionado: “Todas essas técnicas de crédito envolvem normalmente um princípio: o de acreditar-se que você pode reduzir o custo do capital, com isso mobilizar melhor projetos, viabilizá-los e ingressar numa fase de prosperidade econômica”, acrescenta o economista.
Na prática, não é o que acontece no Brasil: “Temos uma série de fatores que acabam engendrando a formação de um forte monopólio, uma concentração bancária muito grande e, com isso, a taxa de juros livre se torna muito elevada, enquanto a do crédito dirigido acaba sendo mais atraente para as empresas. O crédito das estatais não pode ser alocado para criar privilégios, facilitações inadequadas e a manutenção em bloco através de barreiras à entrada estrangeira de alguns grupos nacionais”.
Além dos escândalos nacionais de corrupção, como os que aconteceram no âmbito da Lava-Jato, outro problema grave que pode ser criado devido ao crédito dirigido é a concentração de renda. “Não se toma dinheiro ou se dá recurso público quando a gente sabe que aquilo somente vai ajudar a alguns monopólios e oligopólios ou grupos de plantão dominantes sem eficiência. É preciso fazer muitas coisas simultâneas para que o crédito dirigido funcione bem. Você precisa, por exemplo, abrir ao mercado externo e globalizar a economia brasileira”, complementa o economista.