Que diferença faz um ano nas relações multilaterais: a união demonstrada pelos países do Grupo dos 20 (G-20), destaque da reunião em Londres em abril de 2009, foi a grande vítima da reunião de Toronto no último fim de semana. Isso já ficara claro nas semanas que antecederam o encontro. Inicialmente se previa que as rusgas girassem em torno do regime cambial chinês, mas uma semana antes o governo da China esvaziou o assunto, anunciando a retomada do processo de apreciação cambial interrompido pela crise. A sensibilidade em relação a esse tema é tanta que os chineses se recusaram a que essa medida fosse elogiada no comunicado final do encontro, argumentando que esse era um assunto de natureza doméstica.
A mudança no clima do G-20 não é difícil de explicar. Em 2009, estavam todos unidos para evitar a repetição de uma depressão global: era preciso impedir a corrida protecionista e controlar as pressões deflacionistas resultantes da forte contração do crédito e da queda do consumo e do investimento privado. Hoje, com a economia mundial voltando a crescer, ganham destaque as diferenças entre os países, em termos da sua situação atual, história e visões de seus governantes. Há três temas principais em discussão e três grupos de países com posições distintas a seu respeito.
O tema que gerou mais polêmica em Toronto diz respeito a que política fiscal adotar, agora que o risco de um cenário de catástrofe está afastado. Os EUA defendem que ainda não dá para confiar na sustentabilidade da atual recuperação e que a retirada dos estímulos introduzidos em 2009 terá um impacto contracionista que pode recolocar a economia em recessão. Os europeus sustentam que os altos deficits fiscais e a rápida expansão da dívida pública é que são as verdadeiras ameaças à sustentação do crescimento. Os americanos contra-argumentam que esse ajuste não é para agora e que esse terá pouco efeito, pois o baixo crescimento reduzirá as receitas tributárias.
A diferença de visões reflete em parte a falta de opção. Vários países europeus têm tido dificuldade de se financiar no mercado e os ajustes visam reduzir a dependência da boa vontade dos investidores e dar garantia a esses de que a dívida será paga. Os EUA, por seu lado, continuam se financiando sem dificuldade: de fato, a taxa de juros da dívida pública americana está especialmente baixa, em que pese sua rápida expansão. O Japão está no meio das duas posições: tem uma dívida pública muito alta, mas consegue financiá-la domesticamente a baixo custo, podendo assim manter sua política de estímulo fiscal. Numa posição mais confortável estão os países emergentes Austrália, Canadá e alguns outros que estão crescendo rápido.
Outro tema que mobilizou o G-20 foi a criação de uma taxa sobre o passivo dos bancos, como a estabelecida pela Inglaterra, para reduzir o deficit público e compensar o contribuinte pelo custo de salvar o setor financeiro em 2008-09. Alemanha e França já declararam que seguirão os passos da Inglaterra. O presidente Obama também já afirmou que proporá um imposto dessa natureza. Mas vários países no G-20 que não sofreram crises financeiras nem tiveram de salvar seus bancos se opõem a que essa taxa seja obrigatória para todos.
Na ausência de consenso, deve prevalecer o que um comentarista chamou de Doutrina Sinatra: cada país segue “its own way” (seu próprio caminho). Assim, alguns países tributarão seus bancos, outros não, alguns manterão políticas fiscais expansionistas, outros irão na direção oposta. O problema é que isso pode fazer com que uns se apropriem do esforço dos outros. Um aumento do gasto público nos EUA vai beneficiar os exportadores dos outros países. A maior tributação dos bancos os estimulará a transferir atividades para outros países com impostos mais baixos.
O risco é que os países prejudicados retaliem. Esse risco é mais alto no comércio internacional, em que também não se conseguiu ir muito além de um acordo para não criar barreiras comerciais. A proposta de acelerar as discussões da Rodada de Doha, levantadas por alguns países, e cuja conclusão em 2010 constara como meta no comunicado da reunião de Pittsburgh, ano passado, foi afastada por americanos e alguns europeus.
O resultado final foi um comunicado conjunto anormalmente longo, mas que deu às várias partes a oportunidade de declarar vitória. A realidade, porém, é que a economia mundial continua fragilizada e a falta de maior coordenação no G-20 é mais um fator de risco em um quadro já complicado.
Fonte: Jornal “Correio Braziliense” – 30/06/10
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