O Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser provocado a voltar a debater a questão do alcance do foro privilegiado. Na Procuradoria-Geral da República (PGR), o sentimento é que os ministros da Corte precisam definir alguns pontos em relação ao tema para dar mais segurança jurídica às decisões que serão tomadas nas investigações em curso.
Na quarta-feira, o ministro Marco Aurélio Mello enviou para a primeira instância um inquérito envolvendo o ex-senador e atual deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG). O caso, que foi remetido à Justiça Federal de São Paulo, apura a relação mantida entre o tucano e o grupo de empresas J&F, mirando supostos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Por continuar no Parlamento, a prerrogativa de foro do tucano permanece. Mas o ministro entendeu que, como o caso estava relacionado com a função de senador, e não de deputado, a competência do STF para processar a ação deixava de existir.
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A situação do tucano é a mesma da ex-senadora Gleisi Hoffmann (PT), que assumiu agora o mandato de deputada federal. A petista é alvo de diversos inquéritos que tramitam no STF – relativos a fatos ocorridos durante o tempo em que esteve no Senado.
Interlocutores do Supremo afirmam que é importante uma diretriz sobre o assunto, e veem de maneira positiva um eventual recurso da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, contra a decisão de Marco Aurélio no caso de Aécio. A avaliação é que, com a provocação da PGR, o colegiado tenha a oportunidade de se pronunciar.
O próprio ministro reconhece a polêmica. “Há uma matéria em aberto, não sei como o tribunal enfrentará. Uma situação concreta em que os atos foram praticados quando o agente era senador e acabou o mandato, mas ele foi eleito deputado federal. E aí, continua aqui? Eu entendi que não. Mandei baixar à primeira instância. Até comuniquei a Raquel Dodge. Agora o recurso é sempre possível. Talvez seja até interessante para ter um pronunciamento colegiado, porque por enquanto tem-se o pronunciamento de um integrante só”, disse Marco Aurélio ao “Valor”.
O ministro questionou, por exemplo, para onde iria o processo de Aécio, caso ele tivesse sido eleito deputado estadual. “Eu declinaria a competência para o Tribunal de Justiça? Não, mandaria também para a primeira instância. Essa diretriz do tribunal é necessária. O tribunal não pode dar uma no cravo e outra na ferradura. O próprio autor do precedente, Luís Roberto Barroso, de vez em quando varia. Temos que ter uma diretriz e essa diretriz ser observada pelos demais tribunais”, afirmou.
Advogado de Aécio Neves, Alberto Toron disse estar de acordo com a decisão de enviar o inquérito para a primeira instância. “Parece-me correta a partir do padrão interpretativo firmado pelo pleno [do STF]. Agora, uma nova redefinição sacrificaria a garantia da proibição do juiz de exceção.”
Além de casos como o de Aécio e Gleisi, não está claro como será o posicionamento do Supremo em relação a políticos que renovaram o mandato, mas estão com investigações tramitando na Corte. Para a PGR, trata-se de um “mandato sucessivo” e, portanto, o caso não deveria ser enviado a outra instância. Nomes como senador Renan Calheiros (MDB), reeleito para mais um mandato por Alagoas, se enquadram nessa situação.
Em maio de 2018, a maioria dos ministros reduziu o alcance do foro privilegiado para deputados federais e senadores para crimes cometidos durante o mandato e relativos à função. A decisão acatou o posicionamento de Barroso, que foi o relator do caso.
Fonte: “Valor Econômico”