Mais por necessidade que convicção, o governo terá de reduzir aportes do Tesouro aos bancos públicos, como o BNDES, e restringir a oferta de crédito subsidiado. Mas essa necessidade de ajuste vem de novo num momento em que a economia desacelera e o crédito fica mais caro em razão da piora dos indicadores macroeconômicos. O dilema é que, se não for feito o necessário ajuste em nível macro, a economia real pode ser ainda mais prejudicada. Artigo recente de Heitor Almeida, Igor Cunha, Miguel Ferreira e Felipe Restrepo mostrou que uma queda no risco de crédito soberano do país reduz significativamente a taxa de investimento das empresas, pois um aumento do risco afugenta potenciais credores e investidores.
A situação é crítica. Empresas reclamam de que, com menos crédito público, não será possível sustentar novos investimentos. Mas, se o governo não faz o ajuste macro, o investimento será talvez ainda mais afetado pela piora na percepção de risco país. O que fazer?
A situação exige inovações importantes na forma como o setor público tem enfrentado as restrições de crédito no Brasil. A nova equipe econômica, corretamente, já sinalizou uma abordagem mais seletiva dos empréstimos do BNDES, com maior foco em projetos difíceis de serem financiados pelo setor privado. Nos últimos anos, há evidências de que muito do crédito público foi para grandes grupos que poderiam obter capital de outras fontes. Em tese, eles não deveriam receber crédito subsidiado, a menos que o projeto tenha comprovado impacto social.
[su_quote]Talvez nossa maior escassez não seja de crédito, mas de iniciativas inovadoras para impulsionar novos investimentos no país[/su_quote]
Havendo mais ênfase em empresas com reais restrições de crédito, outra possibilidade é as instituições financeiras públicas atuarem mais como garantidoras do que como agentes de repasses diretos. Um empreendedor pode ir a um banco privado pedir empréstimo tendo às mãos uma garantia parcial dessas instituições públicas. Nesse arranjo, o setor público ataca a verdadeira raiz do problema: ao garantir parte do crédito, reduz a relutância do mercado privado em emprestar, sem a necessidade de ter uma custosa máquina de empréstimos. Agora, a situação é inversa: empreendedores reclamam das dificuldades de dar garantias mesmo em contratos com agentes do governo. Soube de um caso em que um banco estatal exigiu do empreendedor uma fiança bancária de 20 anos para um projeto de interesse público!
Especificamente no âmbito das concessões públicas, será preciso estimular mecanismos de project finance em que as garantias dos projetos são determinadas em grande parte pela geração de caixa do negócio. Para isso, o governo deverá reduzir seu afã de microgerenciar preços e taxas de retorno. Neste caso, quem deve dar a garantia é o próprio governo, por meio de mecanismos que evitem intervenções discricionárias. Uma menor intervenção setorial deve ainda melhorar a lucratividade dos projetos privados, com reflexo positivo sobre novos investimentos.
Por fim, os governos podem inteligentemente aumentar a rentabilidade dos projetos remunerando os investidores caso tragam impacto efetivo e até economia ao setor público. Nas chamadas social impact bonds, define-se uma métrica de impacto e o governo paga um bônus aos investidores se a meta for atingida. No Reino Unido fez-se um projeto-piloto com prisões, tendo a reincidência criminal como métrica de impacto. Se os gestores da prisão contribuírem com uma reintegração do preso à sociedade, haverá menor reincidência e, assim, menor gasto público com a manutenção dos presos. Com isso o governo pode repartir parte desse ganho com os investidores.
Recentemente participei de reunião para um projeto de Parceria Público-Privada em que mencionei a possibilidade de estruturar uma social impact bond. Uma das partes logo respondeu: “Para que, se já temos a conveniência do BNDES?”. Talvez nossa maior escassez não seja de crédito, mas de iniciativas inovadoras para impulsionar novos investimentos no país.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 26/2/2015
No Comment! Be the first one.