A solução para a escola pública pode estar na promoção de autonomia com responsabilidade e no incentivo da gestão para resultados. Esta é a hipótese apresentada pela doutora em educação Wanda Engel, em artigo publicado no Correio Braziliense de 3 de agosto. A educadora também questiona: “O grande perigo de conclusões apressadas, com base nos resultados do Enem, é o de definir que a saída é a escola privada, pois para a pública não há remédio. Será?”. Confira o artigo:
“Foram divulgados os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2009: vitória incontestável das escolas privadas? Mais ou menos. O primeiro fato a considerar é que esse não é um instrumento formulado para avaliar escolas. Ele foi concebido para avaliar alunos ao final do ensino básico e suas possibilidades acadêmicas para o prosseguimento dos estudos. Daí ser um dos instrumentos utilizados na seleção de alunos para o ensino superior. Participam do Enem, de forma voluntária, os alunos que têm alguma pretensão de ingresso na universidade. Assim, nem todas as escolas nem todos os alunos de uma dada escola fazem a prova.
Outra característica importante do Enem é que, somente a partir deste ano, quando passou a ser elaborado com base na Teoria de Resposta ao Item, poderá, a exemplo do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), servir de base para comparações anuais dos resultados. O problema do Saeb é que sua aplicação é amostral. Em resumo, se queremos efetivamente avaliar as escolas, com base no desempenho dos alunos que concluem o ensino médio, seria essencial a criação de um teste padronizado que fosse censitário e obrigatório.
Apesar de estarmos utilizando um instrumento inadequado para avaliar nossas escolas, é possível que os resultados estejam próximos da realidade: boa parte das escolas privadas e das públicas federais apresentam resultados superiores aos das públicas estaduais. Vamos tentar entender os possíveis fatores dessa discrepância.
O que há de comum entre as escolas de sucesso? Tanto as privadas quanto as públicas (colégios de aplicação das universidades) possuem sistemas de seleção, por meio de exames de admissão ou de desligamento em função de reprovações. As particulares selecionam também economicamente, com mensalidades apenas compatíveis com o poder aquisitivo de famílias ricas. São escolas que trabalham com jovens que tiveram, desde a vida intrauterina, todas as condições para o desenvolvimento pleno de suas potencialidades: ambiente estimulante e saudável, acesso a livros, viagens e à tecnologia da informação. Já as escolas públicas, de caráter universal, atendem a alunos que, na maioria, enfrentam um contexto no mínimo adverso ao desenvolvimento de suas potencialidades.
Partindo de matéria-prima tão diversificada, escolas privadas e escolas públicas estaduais dispõem de condições de gestão igualmente diferenciadas. Uma escola privada dispõe de total autonomia administrativa e financeira para gerir seu processo educacional. Pode selecionar ou demitir seu pessoal, e investir recursos nas estratégias mais adequadas à melhoria de seus resultados. O gestor público não escolhe nem tem o poder de afastar professores incompetentes ou faltosos. Seus planos político-pedagógicos são verdadeiras “peças de ficção científica”, por não contarem com instrumentos financeiros para sua implantação.
O grande perigo de conclusões apressadas, com base nos resultados do Enem, é o de definir que a saída é a escola privada, pois para a pública não há remédio. Será? O Instituto Unibanco vem desenvolvendo, desde 2008, a experiência do Projeto Jovem de Futuro em 23 escolas públicas de ensino médio em Porto Alegre e 20 em Belo Horizonte. São escolas estaduais típicas, cuja única diferença é o manifesto desejo de participar do projeto, que se traduz no compromisso de alcançar, ao fim de três anos, as metas de aumento do desempenho no Saeb e de diminuição de evasão.
A essas escolas é oferecido apoio financeiro (R$ 100 por aluno/ano) e apoio técnico para um processo de gestão para resultados, sendo garantida sua autonomia na definição de estratégias consideradas prioritárias. A experiência conta com consistente sistema de avaliação externa, baseado num desenho experimental, que prevê inclusive a existência de um grupo de controle. Ao final de dois anos, as escolas do grupo de controle cresceram 30 pontos na escala Saeb, enquanto as beneficiadas pelo projeto avançaram 47 pontos. Ou seja, com um investimento financeiro de aproximadamente 10% do que é investido, em média, pelos estados, uma escola pública qualquer foi capaz de apresentar resultados 50% superiores ao de suas congêneres.
Esses dados parecem indicar que quando se promove autonomia com responsabilidade e se incentiva a gestão para resultados, qualquer escola pública pode “dar a volta por cima” e calar os pessimistas de plantão que acreditam em sua irreversível decadência.”
Concordo com os argumentos da Educadora. Não conhecia o projeto do Instituto Unibanco. Me informarei a respeito.
Segue alguns pontos (princípios) que deveriam nortear a “promoção de autonomia com responsabilidade e no incentivo da gestão para resultados” destacada no texto:
(i) Bons salários aos profissionais: esta política é importante para melhorar a seleção de novos professores. Cabe ressaltar que, esta política não é tão eficiente para induzir esforço dos atuais professores, visto que eles possuem estabilidade do emprego. Se não possuíssem (não estou dizendo que não deveriam possuir), o custo de não se esforçar e ser demitido seria alto, já que deixariam de receber o salário alto.
(ii) Prêmio por produtividade: sem discutir a forma de implementação (premiar só professores e diretores, premiar todos os funcionários da escola, premiar o professor da disciplina na qual os alunos obtiveram bom desempenho, etc…) é fato que os bons profissionais devem receber mais. Muitas vezes, bons profissionais deixam de produzir tanto quanto poderiam porque sabem que não terão tal esforço reconhecido. O prêmio monetário é a forma mais simples e direta de implementar tal reconhecimento.
(iii) Sistemas de avaliação de desempenho escolar: é essencial mensurar o desempenho dos alunos e das escolas. Esta estratégia é importante para identificar quem deve ser premiado pelo progresso e quem deve receber maior atenção pelas dificuldades. Tais informação permite políticas mais bem focadas.
(iv) Mobilidade de profissionais (1): escolas deveriam competir pelos bons profissionais. Por exemplo, um diretor (sabendo que será premiado pelo bom desempenho de sua escola) pode convidar bons professores (talvez oferecendo privilégios como bom ambiente de trabalho ou outra coisa) para trabalhar em sua escola.
(v) Mobilidade de profissionais (2): grupos de bons profissionais seriam escolhidos (talvez pelo secretário de educação) para intervir (choque de gestão e qualidade) em escolas com baixo desempenho.
(vi) Bolsa desempenho: cada escola/classe possui uma cota de bolsas (auxilio monetário). Anuncia para os alunos que aqueles que obtiverem melhor desempenho (e/ou maior melhoria no desempenho) serão agraciados com a bolsa. O maior efeito aqui é induzir esforço dos alunos, reduzir a atratividade do trabalho infantil e principalmente incentivar o envolvimento dos pais na educação dos filhos. Alguns fatos (estatísticos) justificam esta política: filhos de pais que se envolvem na educação possuem melhor desempenho; alunos mais probres tem pior desempenho (a bolsa para este público é muito valiosa);
Correto. Sempre que possível, algum mecanismo de seleção deve existir. E não acredito em uma escola, mas em escolas, de tal modo que quanto maior a diversidade em modelos de ensino, melhor, pois se estabelece uma salutar concorrência de instituições. Por isto não acredito em um “modelo de ensino liberal” ou algo que o valha, mas sim em um sistema liberal de ensino onde vários modelos sejam disponibilizados no mercado para que agentes livres escolham o que corresponde aos seus interesses.