Quatro juízes lavaram dinheiro sujo. A sentença do TSE de absolvição da chapa Dilma/Temer equivale a uma declaração de que, no Brasil, fica legalizado o desvio em massa de recursos públicos para financiamento de campanha eleitoral. Por meio do gesto asqueroso, o tribunal adia o cortejo fúnebre do governo Temer. No dilacerante velório da Nova República, a deterioração geral manifesta-se como corrupção da linguagem.
O ministro Gilmar Mendes defendeu, em 2015, a recepção da ação do PSDB de impugnação da chapa Dilma/Temer. Destacando a “gravidade” dos elementos da acusação, ele liderou uma maioria de juízes que decidiu pela continuidade das investigações e pela validade da adição de novas evidências. Hoje, não só considera frágeis os elementos iniciais como sustenta a nulidade jurídica das evidências adicionadas a partir das delações da Odebrecht e dos marqueteiros do PT. O que mudou? Temer, não Dilma, está no Planalto.
Temer desmentiu, em nota oficial, ter utilizado o jatinho do “conhecido falastrão” com o qual não privaria de intimidade mas que o visitou, às escondidas, sob o manto da noite, na residência presidencial. Na nota de terça-feira (6), assegurou que, em janeiro de 2011, usara aeronaves da FAB. Dia seguinte, sempre em nota oficial, confrontado com registros aeronáuticos, desmentiu-se a si mesmo, alegando que, na ocasião, voou com a família em avião particular, gratuitamente, sem saber quem seria seu proprietário. O ocupante do Planalto age como criança trapaceira que, flagrada em mentira, dobra a aposta na patranha.
Até segunda ordem, o PSDB desistiu de desistir da nau governista. Os tucanos alegam seguir uma paradoxal “ética do pragmatismo”: a “responsabilidade com o Brasil” e o imperativo das reformas. Mas eles sabem que o governo Temer 2, inaugurado com a chicaneira absolvição do TSE, tornou-se refém do Congresso e das corporações. Repetindo o balé da agonia de Dilma, Temer indicou para a pasta da Justiça um advogado de defesa dos políticos corruptos acossados pela Lava Jato. Na trincheira da sobrevivência, o amigo do “conhecido falastrão” dissolverá a reforma previdenciária num caldo ralo, tornando-a ineficaz. A “ética do pragmatismo” não passa de simulação: a única “responsabilidade” tucana é a proteção de Aécio, motivo verdadeiro da permanência no governo.
O Congresso do PT paulista conferiu a José Dirceu, Antonio Palocci e João Vaccari o título honorífico de “presos políticos”. Dirceu foi, assim, reabilitado, depois de cair em desgraça no Partido, quando provou-se que roubou não apenas em nome da “causa”, mas também do vil metal. A teatral reabilitação destinava-se a proteger Lula, convencendo Palocci a emular o caminho do martírio, afastando-se da salvação pela delação.
Contudo, três semanas depois, no Congresso Nacional petista, um panteão de “heróis do povo brasileiro” continha as imagens de Dirceu e Vaccari, mas não a de Palocci. É que, entre um congresso e outro, a cúpula partidária foi informada da opção palocciana pela tornozeleira eletrônica. Na dança das cadeiras do Partido, heróis e traidores trocam de lugar ao sabor das conveniências judiciais de Lula.
O procurador-geral Rodrigo Janot, autor intelectual do questionário enviado pela PF a Temer, já não faz nenhuma distinção entre justiça e política. Nas 82 perguntas, misturam-se indagações factuais relevantes com improcedentes especulações incriminatórias, num amálgama que forma o discurso político de um “tribuno da plebe”.
Com o perene beneplácito de Fachin, a figura que concedeu salvo-conduto aos Batista sabota o valioso patrimônio de credibilidade da Lava Jato, oferecendo fáceis argumentos aos advogados dos políticos em desespero.
A Nova República desmorona em câmara lenta. Aventureiros, salvadores da pátria, farejam oportunidades em meio aos escombros.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 10/06/2017
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