O canibalismo federativo foi parar na Justiça: o aperfeiçoamento institucional do Estado de Direito depende de julgamento no Supremo.
O espetáculo de canibalismo federativo pelos royalties do petróleo foi parar na Justiça. Os governos do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de São Paulo, bem como a Assembleia Legislativa do Estado do Rio, entraram com ações diretas de inconstitucionalidade contra a nova lei de distribuição dos royalties. Mais uma vez, o aperfeiçoamento institucional do Estado de Direito depende do julgamento do Supremo Tribunal Federal.
Que os estados não produtores precisam de recursos, sabemos todos. Por omissão do Congresso, para conforto do Executivo e hipertrofia de seus poderes, persiste a centralização de recursos herdada do antigo regime militar. Mas a omissão de nossas lideranças políticas em relação a uma causa justa — a descentralização de recursos da esfera federal para os estados e municípios — tornou-se o pretexto para uma violência anticonstitucional contra os estados produtores de petróleo.
“Encontramos já na clássica democracia ateniense os primeiros conflitos entre a vontade irrestrita de uma assembleia e a tradição do Estado de Direito”, registra Friedrich Hayek em “Direito, legislação e liberdade” (1973). “Mas em tempo algum foi permitido alterar leis de forma inconsequente, por um simples decreto dessa assembleia. Os proponentes das alterações estavam sempre sujeitos à acusação de procedimentos ilegais, que, quando aceita pelos tribunais, não apenas invalidava o decreto proposto mas também expunha o autor do projeto a severas penalidades”, explica H.M. Jones, em “Democracia ateniense” (1957).
São robustas as alegações dos estados produtores. A Constituição de 1988 assegurou-lhes as receitas dos royalties como compensação pelos problemas causados pela exploração do petróleo. Em contrapartida, os estados produtores
abriam mão da cobrança de ICMS do petróleo, transferindo tal receita aos estados não produtores. A nova lei é inconstitucional em todas essas dimensões. Expropria os estados produtores de suas receitas constitucionalmente legítimas. Premia o canibalismo federativo, transferindo mais de 50% dos royalties aos não produtores, sem que tenham de devolver o ICMS que já havia sido retirado dos estados produtores. E prescinde de um dos atributos de uma boa lei: que tenha efeitos prospectivos, e não retroativos.
Fonte: O Globo, 18/03/2013
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